Algum lugar do mundo, 29 de março de 2017
Era somente mais um dia daqueles em que a solidão batia
forte, rasgava por dentro. Novamente, um dia em que o meu vazio ficava
proeminente, escancarado. Tão escancarado que jurava que poderiam vê-lo,
até mesmo tocá-lo. Aquele buraco enorme no meio do peito. Quisera eu, talvez,
que o notassem e me trouxessem o material necessário para tampá-lo.
Um dia em que, por milagre ou coincidência, não havia a
correria massacrante do dia-a-dia para me distrair. Não havia compromisso, nem
meta, nem nada a entregar. Pelo menos não naquele dia. Por algum motivo, o
tempo caminhava mais lentamente, o ar parecia menos oxigenado e o peito mais
apertado. A previsão dizia que o sol estava lá, mas só conseguia ver tudo
nublado.
Um dia que me convidava a olhar pra dentro, a respirar e
refletir. Uma intimação à saída do piloto automático com direito à revisão do
veículo. Um dia de solidão. Costumava eu pensar, antigamente, que era falta
de gente. Pensava em ter mais amigos, talvez encontrar a família, entrar numa
aula de forró. Pensava em todos que
naquele momento estavam acompanhados, contemplando um sorriso ou mergulhados em
um abraço. Ou mesmo naqueles que exalavam amor próprio.
Tentava lembrar-me de alguém que pudesse entender aquela
crise, aliviá-la. Quem sabe se recebesse um telefonema, uma mensagem, uma
carta... Porém, mais do que nunca, nestes dias, todos pareciam desaparecer. Como
se pressentissem a necessidade daquele encontro e fossem instigados a não
perturbá-lo. Aquele encontro inevitável que devemos ter conosco de quando em
quando.
Hoje sei que a solidão vem independentemente da ausência de
pessoas em volta. Sei que solidão não é saudade do outro. Não é carência
tampouco. Não se cura com companhia. Já senti solidão muitas vezes estando com
minha família. Em festas, churrascos, aniversários. Já senti solidão na rua, na
faculdade, no cinema, na cama. Solteira ou compromissada. Vira e mexe ela vem
com tudo. Não pede licença, não avisa e não adianta mandá-la embora.
A solidão, por vezes, é tão forte que chega a doer na pele, sente-se
nos poros. E quanto mais fugimos desse necessário encontro com o vazio, mais
ela dói. Não é por mal... É preciso recolher-se para descobrir-se. Algo nem
sempre tão prazeroso no início. Na verdade, quase nunca, pois descobrir-se
normalmente é sinônimo de desapegar-se de ilusões. E de ilusões somos cheios.
Desapegar-se é sinônimo de deixar ir. E de resistência, somos lotados.
A solidão, invisível companheira, não faz questão de ser
querida. Vem e ensina com firmeza. Só nos deixa quando cumpre seu propósito.
Não tem dó. Sabe que é para nosso bem, doa o que doer. Algo que só amigos
verdadeiros fazem. Daqueles inoportunos que te dizem verdades inconvenientes
que relutamos em ouvir, mas que no fim provam sua importância.
A solidão parece gostar de mim. Visita-me com frequência
desde criança. Costumava lutar, pedir que seguisse seu rumo. Tentei desfazer-me
de sua amizade. Um dia, exausta pela sua insistência, mesmo que silenciosa, encarei-a
de frente. Quando mirei em seus olhos profundamente, vi a mim mesma. Nunca me
sentira tão frágil e tão forte. Ela se despediu naquele momento. Algo mudou. A necessidade
de outras pessoas havia diminuído.
Resolvi, então, deixar a casa aberta para quando quisesse
voltar. Passei a recebê-la com carinho. Hoje em dia, deixo até mesmo guardado
alguns doces, um par de meias confortáveis e um café com canela especial que só
faço quando ela aparece. Passamos, por vezes, o dia juntas, mas ela sempre vai.
Ela sempre volta.