Algum lugar do mundo, 23 de abril de 2016
Paixão deveria ser classificada
como doença de tão forte que é. Doença com dois subtipos: correspondida e não
correspondida. Causa: desconhecida. Pode acometer pessoas solteiras e
comprometidas, não importa idade, sexo ou classe social. Vem sem avisar e nunca
se sabe seu gatilho.
Os doentes de paixão, ou apaixonados, tem como primeiro
sintoma a perda de si mesmos nos mais profundos devaneios. Esquecem-se da vida
e não conseguem distinguir o real do irreal. Não controlam os próprios
impulsos. Sofrem de insônia, alteração de apetite, taquicardia e tremedeira.
Sentem borboletas no estômago, nó na garganta e, nos casos mais graves, até na
cabeça. A ansiedade chega a assustar.
E não venha me dizer que isso é
coisa de gente sentimental. Queria eu que
fosse, mas essa doença atinge até os mais lógicos e esses, coitados, sofrem
ainda mais ao perceberem que perderam o controle do próprio cérebro. Algo mais
forte tomou as rédeas. Não importa o grau de maestria anterior que o sujeito
tinha no equilíbrio emoção versus razão,
apaixonados de verdade, todos perdem a noção.
E essa tal paixão tem sempre um
alvo. Uma pessoa qualquer. Às vezes, uma pessoa tão qualquer que não entendemos
o motivo de tanto deslumbre. E nem precisa ser aquela pessoa ideal. Não! Isso
porque a paixão tem um sério sintoma: a negação. Negação dos defeitos do outro,
negação da realidade, negação da situação. Você chega a negar que está
apaixonado. E você se nega a assumir que só ouve a mesma música mil vezes para
despertar na sua mente a lembrança do gatilho. E quando a música não faz mais
efeito, é necessário achar outra. É necessário manter o outro na lembrança e
reviver coisas que aconteceram (ou que
você mesmo criou), só pra sentir todos os sintomas novamente.
Sim, a paixão talvez seja uma das
poucas doenças que te viciam. Ao mesmo tempo em que você quer estar curado,
você quer sentir tudo aquilo de novo. Afinal, mesmo sofrendo (no caso da não
correspondida), a vida parece ter mais graça, mais cor, mais intensidade. Normalmente, a vida é tão parada. A paixão sacode
tudo e ela te convence que é mais legal viver assim. O problema é que a paixão
não tem sentido. Só pode ser algo químico. Uma química daquelas bem carnais.
Tenho a impressão de que os
maiores artistas eram aqueles que mais se apaixonavam. A paixão desperta a
criatividade, deixa tudo a flor da pele, pois existe certa urgência em espalhar
amor e ardor por ai. Nesse sentido, a não correspondida chega até a ser útil:
já que a atenção não pode ir para o bendito gatilho, que vá para o universo.
Mas é preciso ir para algum lugar. Paixão não consegue ficar guardada, ela
explode. Paixão precisa virar música, poesia, texto, pintura, suor, abraço,
riso e choro (muito choro). Paixão transborda, faz passar vergonha, faz querer
viver e morrer ao mesmo tempo. Viver de paixão e morrer apaixonado, dois
extremos, uma montanha-russa de emoção.
Depois de tanta paixão, fica
aquela pergunta: “Mas e a cura?”. Olha... Se eu soubesse! Infelizmente (ou
não), não há. Há quem diga que uma boa dose de amor-próprio ajude a amenizar a
tendência a atitudes vergonhosas. Que um bom par de ouvidos amigo alivie toda
urgência em se expor (recomendam-se até mesmo vários deles, pois não há quem
aguente tanto nonsense). É preciso
deixar fluir de alguma forma, de preferência com algo construtivo. É preciso
aceitar a dor e reconhecer-se como alguém realmente em tratamento. Não há fuga.
É dentro. É fundo. É preciso ser sincero consigo mesmo. É necessário ter
compaixão própria, abraçar-se e dizer “Sei que você andou descontrolado, mas
tudo bem! Quem nunca?”. No fim, só mesmo
o tempo. O tempo tudo cura. Parece clichê, mas só um clichê para combater
outro que existe desde que o mundo é mundo.
Imagem: http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/04/17/viva-o-presente-uma-reflexao-sobre-estar-aqui-agora-hoje/