domingo, 24 de abril de 2016

Paciência com os apaixonados, eles não sabem o que fazem


Algum lugar do mundo, 23 de abril de 2016


Paixão deveria ser classificada como doença de tão forte que é. Doença com dois subtipos: correspondida e não correspondida. Causa: desconhecida. Pode acometer pessoas solteiras e comprometidas, não importa idade, sexo ou classe social. Vem sem avisar e nunca se sabe seu gatilho.

Os doentes de paixão, ou apaixonados, tem como primeiro sintoma a perda de si mesmos nos mais profundos devaneios. Esquecem-se da vida e não conseguem distinguir o real do irreal. Não controlam os próprios impulsos. Sofrem de insônia, alteração de apetite, taquicardia e tremedeira. Sentem borboletas no estômago, nó na garganta e, nos casos mais graves, até na cabeça. A ansiedade chega a assustar.

E não venha me dizer que isso é coisa de gente sentimental. Queria eu que fosse, mas essa doença atinge até os mais lógicos e esses, coitados, sofrem ainda mais ao perceberem que perderam o controle do próprio cérebro. Algo mais forte tomou as rédeas. Não importa o grau de maestria anterior que o sujeito tinha no equilíbrio emoção versus razão, apaixonados de verdade, todos perdem a noção.

E essa tal paixão tem sempre um alvo. Uma pessoa qualquer. Às vezes, uma pessoa tão qualquer que não entendemos o motivo de tanto deslumbre. E nem precisa ser aquela pessoa ideal. Não! Isso porque a paixão tem um sério sintoma: a negação. Negação dos defeitos do outro, negação da realidade, negação da situação. Você chega a negar que está apaixonado. E você se nega a assumir que só ouve a mesma música mil vezes para despertar na sua mente a lembrança do gatilho. E quando a música não faz mais efeito, é necessário achar outra. É necessário manter o outro na lembrança e reviver coisas que aconteceram (ou que você mesmo criou), só pra sentir todos os sintomas novamente.

Sim, a paixão talvez seja uma das poucas doenças que te viciam. Ao mesmo tempo em que você quer estar curado, você quer sentir tudo aquilo de novo. Afinal, mesmo sofrendo (no caso da não correspondida), a vida parece ter mais graça, mais cor, mais intensidade. Normalmente, a vida é tão parada. A paixão sacode tudo e ela te convence que é mais legal viver assim. O problema é que a paixão não tem sentido. Só pode ser algo químico. Uma química daquelas bem carnais.

Tenho a impressão de que os maiores artistas eram aqueles que mais se apaixonavam. A paixão desperta a criatividade, deixa tudo a flor da pele, pois existe certa urgência em espalhar amor e ardor por ai. Nesse sentido, a não correspondida chega até a ser útil: já que a atenção não pode ir para o bendito gatilho, que vá para o universo. Mas é preciso ir para algum lugar. Paixão não consegue ficar guardada, ela explode. Paixão precisa virar música, poesia, texto, pintura, suor, abraço, riso e choro (muito choro). Paixão transborda, faz passar vergonha, faz querer viver e morrer ao mesmo tempo. Viver de paixão e morrer apaixonado, dois extremos, uma montanha-russa de emoção.

Depois de tanta paixão, fica aquela pergunta: “Mas e a cura?”. Olha... Se eu soubesse! Infelizmente (ou não), não há. Há quem diga que uma boa dose de amor-próprio ajude a amenizar a tendência a atitudes vergonhosas. Que um bom par de ouvidos amigo alivie toda urgência em se expor (recomendam-se até mesmo vários deles, pois não há quem aguente tanto nonsense). É preciso deixar fluir de alguma forma, de preferência com algo construtivo. É preciso aceitar a dor e reconhecer-se como alguém realmente em tratamento. Não há fuga. É dentro. É fundo. É preciso ser sincero consigo mesmo. É necessário ter compaixão própria, abraçar-se e dizer “Sei que você andou descontrolado, mas tudo bem! Quem nunca?”. No fim, só mesmo o tempo. O tempo tudo cura. Parece clichê, mas só um clichê para combater outro que existe desde que o mundo é mundo.


Imagem: http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/04/17/viva-o-presente-uma-reflexao-sobre-estar-aqui-agora-hoje/ 

domingo, 17 de abril de 2016

Prazer, seja feliz


Algum lugar do mundo, 17 de abril de 2016

Olá, prazer.

Não te conheço, mas saiba que quero seu bem.

Quero que seja imensamente feliz e amado.

Sou assim. Faço questão de ver bem quem está ao meu lado.
   
Faça-me somente um favor, só fique se quiser o mesmo pra mim. Não me importa que vá embora, que me deixe, que procure gente mais interessante, mas não perca a hora.

Não quero ninguém que me diminua. Não vou deixar que o faça. Sou grande demais. Talvez por fora não pareça, mas é que o que lhe mostro é só a capa.   

Então, desista. Procure quem te conquista, a quem você não resista, mas vá. 

Já basta quando me diminuo por mim mesmo, quando meus olhos só enxergam defeitos. Escute, posso listá-los pra você. Não perca seu tempo descobrindo um a um. Medindo se ainda assim gostaria de investir em mim.

Não sou mercadoria, então não negocie minhas imperfeições. Não procure as que eu ainda não vejo. Não me traga mais do mesmo.

Não preciso de você para ser feliz, nem você de mim. Então, suma. Deixe-me em paz. Pra mim, realmente, tanto faz, só não finja que sim.

Não me faça querer mudar a mim mesmo. Sou ser imperfeito, mas não sou o pior. Se for pra me ajudar, que seja com carinho e não com críticas de quem procura alguém melhor.

Sei que ainda tenho muito a melhorar, quem não tem? Mas, sabe, se você não gosta agora, não vá além. Você não sabe o que passei, não sabe o que já veio ou o que ainda vem. 

Talvez seja somente um teste, pra ver se eu aprendi certinho, que não vale a pena estar perto de alguém com quem não consigo ser o mesmo quando estou sozinho.

Normal? Não sou, foi mal.

Então vá, por favor. Não estou te segurando. Estou sendo sincero. Você haverá de ser mais feliz, assim eu espero.  

O prazer foi todo seu. 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Andar branco


Em algum lugar do mundo, 08 de abril de 2014

Às vezes, sinto-me triste (quem não?). Sem nenhuma explicação. Sem nenhuma previsão. Só sinto vontade de voltar pra casa e me encolher na cama, embaixo de um cobertor, até passar. Esse sentimento muitas vezes vem como impotência, principalmente perante as injustiças, maluquices e fatalidades da vida. Por que será?

Vejo-me preocupada e estressada com várias coisas que não são realmente necessárias. Piro, julgo e, em algum momento, tudo isso acumula e preciso respirar. Essa tristeza é como uma limpeza a um acúmulo, como lixo guardado e, enquanto esse lixo é limpo, sinto-me triste. Algo como um esgotamento de tudo, de todos e de mim mesma. E já que não posso largar tudo e ir para casa, isolo-me em mim.

Mas, essa tristeza (que não sei se é tristeza ou se me falta uma palavra melhor para descrever) é sempre acompanhada por algo lá no fundo, algo que fica bem apagado, mas que ainda existe, mesmo nestes momentos. Algo que diz que tudo está certo e que vai passar. Algo como paz, como colo de mãe quando somos crianças. Algo que não sei o que é, mas que deixa minha tristeza cercada de paz.  E em várias segundos, enquanto estou triste ainda estou feliz. Como se fossem andares diferentes dentro de mim mesma, um em luto e outro em festa. E, de repente, não faço questão de escolher em qual andar desejo estar. Eu canso e só observo de um terceiro andar vazio e branco, acometida ora pelo barulho da festa ora pela tristeza do luto. E choro, e rio, e esqueço até que durmo e outro dia começa com outros andares, milhares de andares ao mesmo tempo.

Não sei se é certo ou errado estar neste andar branco e vazio. Nele, nada sobra e nada falta. A temperatura é confortável. Não existe cheiro, não existe estímulo. Desde criança tenho necessidade de voltar pra lá, mas estranhamente não sabia onde e como era. Somente hoje consegui descrevê-lo em palavras. Cada vez mais, sinto necessidade de voltar para este lugar. E não é porque não gosto dos outros andares. Eu gosto! Mas é informação demais. É sentido demais. Cheiro, gosto, barulho, sentimento, pensamento, tudo demais. Por isso me canso rápido e preciso constantemente voltar para o andar branco e me reequilibrar. E no momento em que vou, as pessoas me sentem distante. 

Hoje em dia, não posso mais estar lá quando quero. Às vezes preciso esperar, pois devo estar concentrada nessa bagunça, no trabalho, na faculdade, nas conversas. Quando era criança, isso me irritava. Hoje, consigo ter mais paciência. Meu andar está sempre lá me esperando.