sexta-feira, 15 de julho de 2016

Nós não estamos na mesma página, mas que problema isso tem?



Algum lugar do mundo, 14 de julho de 2016


Não, nós não estamos na mesma página. Mas, sabe, não tem problema, está tudo bem.

Talvez nunca estejamos. Talvez nunca aconteça conosco e nem com ninguém.

Quem sabe seja o tamanho dos nossos livros. As dimensões das folhas, essa sua margem estreita. Ou mesmo o meu jeito de sempre deixar uma página em branco no meio de cada nova história.

Talvez seja o rodapé que tanto usei para fazer anotações quando voltei para velhas páginas ao invés de escrever em folha branca ou aquelas que rabisquei quando a história não saiu como gostaria. Sem contar nos rascunhos perfeitos que perdi tempo fazendo enquanto a vida acontecia.

E essa minha pressa de quem começou a escrever cedo. De fato, quase tive que comprar um livro novo. E se não bastasse, em dias rebeldes escrevi, além de histórias, poemas e canções borradas de riso, batom e choro.

É, nós não estamos na mesma página mesmo. Mas por que estaríamos se nossos livros são diferentes? Se nem ao menos gosto dessa sua letra grande e sem padrão?

E nossas histórias, nossos contos, tão desiguais uns dos outros. Aqueles longos desabafos... Enquanto gostava de escrever todos meus momentos, você preferia dormir com seu livro ao lado, no chão.

Enquanto me expressava em versos e estrofes, você era narrador onisciente, nem sempre tão ciente, de que sua história tinha chegado ao fim.

E por que ter um só livro pra nós dois? Isso atrapalharia a criação. Podemos escrever juntos em páginas diferentes, alternando estilos, cores, entrelaçando nossas mãos.

Quem sabe até um dia, te deixo escrever no meu livro uma dedicatória. Pode até ser simplória, mas precisa ter um desenho no fim.

E te deixo enfeitar alguma página, com as pétalas que secaram das rosas que me deu, da folha daquele cata-vento do nosso primeiro encontro, com uma gota do vinho que comigo bebeu.

Nós não estamos na mesma página, nem no mesmo livro, nem no mesmo momento. Sentimos a vida de maneiras diferentes.

Mas, contanto que respeite meus rabiscos e seu estilo não machuque meus sentimentos, te convido a compartilhar comigo seus momentos. Dos mais felizes aos mais delicados. Tomando um café, vinho ou chocolate quente ao meu lado.

E se um dia cansar dessa história, que deixe um adeus de pelo menos um parágrafo e um ponto final marcado. E após largar a caneta que me dê um abraço, pelos momentos que valeram bons trechos no seu livro borrado.


terça-feira, 12 de julho de 2016

O dom e o fardo de sentir profundamente em um mundo de beleza e dor


Algum lugar do mundo, 12 de julho de 2016


Tem horas que só queria que os sentimentos passassem por dentro de mim e fossem embora. Não queria ser morada de tantos andares. Queria ser pátio com rede provisória. Poderiam até chegar, tirar um cochilo ou outro, mas sem se instalarem e cobrarem serviço de quarto. Estadia sem café da manhã incluso. Check-out no horário.

Existe tanta coisa aqui dentro entupida. Como se minhas mãos fossem um funil, por onde tentam sair diversos sentimentos aspirantes a palavras. E como posso cobrar que alguém entenda toda essa confusão se eu mesma me perco e me deixo levar? Se, frequentemente, confundo a realidade com essas vozes a murmurar.

Queria eu, nestes momentos mais perdidos, ser menos dotada de sentir, abdicar de tanta capacidade à reflexão. Tem horas que se levar tão a sério parece uma grande bobagem. E realmente é, na minha opinião.

Mais difícil ainda, sendo alguém intenso (chamaremos assim para aliviar a conversa), é não interpretar como descaso o sossego alheio. Confesso que soa assim. Principalmente aquele que vem como gota d’água desnecessária, em discretas brincadeiras, comentários sem maldade e sem peso, mas que fazem a cabeça transbordar por já encontrar-se saturada de sentimentos e pensamentos sem freio.

E, transbordando, estes (quase seres) resolvem não esperar por sua triagem no funil. Querem simplesmente sair, pois tem medo de apodrecerem antes de serem digeridos. Aumentam de tamanho, desproporcionalmente e, se não forem sossegados, causam confusão sem fim. Fazem greve, organizam motim. É necessário tirar hora-extra para acalmar a rebelião.

Há quem diga que sentir profundamente seja um dom neste mundo em que vivemos. Necessitando, porém, ser administrado com maestria ou acaba por tornar-se maldição.

Por vezes, só gostaria de conseguir viver com mais leveza sem perder a paixão. Encarar com mais clareza o que é real ou não. Só queria não esperar do outro, o que espero de mim. O que me cobro, no que me afogo, no que me enterro, no que me sufoco, no que me agarro e me impulsiono e chego até mesmo a voar, raras vezes sem rumo, porém. Mas voo alto, a ponto de ver o horizonte com muita clareza, mesmo na falta de necessária destreza.

E quando caio (pois jamais desceria de tão bela visão por gosto) a terra não é suficiente para mim. Vou para as águas, sinto as ondas quebrarem na minha pele, onde me debato, até desistir. E canso de lutar e afundo, no profundo, no escuro, onde só me resta o silêncio e a falta de ar.

Hei de ter paciência comigo mesma e com o outro. A mim, quando sinto que interiorizar demais é sina enquanto, verdadeiramente, não há benção maior que poder conhecer-se aos poucos. Ao outro, quando trata com descaso e medo tanta reflexão, mas que por vezes encontra nela empatia, conselho e explicação. 

Nada que a idade não traga, a paz na alma e a calma de ser somente observador, de aceitar que sentir intensamente é um dom e um fardo em um mundo tão bivalente, pleno de beleza e dor.