domingo, 11 de dezembro de 2016

O amor é para os corajosos - é preciso estar pronto pra amar


Algum lugar do mundo, 19 de novembro de 2016
Meu bem,

Pule fora de amores mal dados, afetos de má vontade, conflito e confusão. Caia fora. Encare de vez essa carência e solidão.

Sei que tem muito amor para dar. Que seu coração sofre por não encontrar alguém que mereça recebê-lo e, mais ainda, retribui-lo. Mas, corra, quantas vezes forem necessárias, dos que te fizerem duvidar se ainda vale a pena amar. 

Rejeite, enjeite, rechace tudo que for forçado, empurrado, engolido. Normalmente, regado à ansiedade e descaso. Não tema dizer adeus, quantas vezes forem necessárias. Mesmo que seu medo de ficar só seja insuportável. Não existe solidão maior do que estar sozinho acompanhado. Do que não se sentir retribuído. Mendigar afeto e não ser amado.

As situações talvez estejam se repetindo para que aprenda alguma lição. Amor verdadeiro requer preparo e maturidade. O que falta ser entendido? A cada adeus, o que fica, então? Melhor ainda, o que você deixa que levem? E sinto muito. Não é roubado. É dado de bom grado. Conscientemente ou não. A quem você dá permissão de tirar seu rumo, seu sono, seu sossego sem que seja para amar?

Talvez a lição mais dura seja aquela que nos ensina que o amor próprio precisa vir primeiro. De que não devemos buscar nossa metade: devemos ser inteiros! Inteiros o suficiente para não deixarmos que qualquer um entre e bagunce nossa casa. Deixe que os indecisos se resolvam, que os machucados se curem, que os sem esperança decidam arriscar. Amor é para os corajosos e antes que ele chegue, é preciso estar pronto pra amar. 

Moça, moço, agradeça a tentativa, diga não, dê adeus. Chore talvez, por um dia ou dois, mas com a certeza que não era seu. Se não for seu caminho, não adianta malabarismo, reza, superstição. Não vai pra frente. O amor chega pra quem está preparado, aparece de repente, naquele momento em que nos sentimos completos com o que somos. Flui naturalmente.

Pare agora de dar murro em ponta de faca. Acredite que o amor existe da boca pra dentro, pra dentro da alma. E aja de acordo com isso. Não existe nada de errado em ser intenso, ir com tudo, dar seu melhor. Não jogue! Seja você mesmo. Esse nunca foi o problema, pode acreditar. Aquele que vier pra somar gostará do lado bom e do pior. Portanto, ao primeiro sinal de falta de reciprocidade, diga adeus, mude a direção: escolha a si mesmo! E faça com que não exista amor maior. 

Estamos combinados?

A corajosa geração que tem medo de amar


Algum lugar do mundo, 11 de dezembro de 2016

Você sabe, não é tarefa fácil amar alguém. É preciso ter uma energia, uma generosidade, uma cegueira. Há até um momento, bem no início, em que é preciso saltar por cima de um precipício: se refletirmos, não o fazemos.
Jean-Paul Sartre

Cuidado para não guardar esse potencial para amar por toda uma vida e privar-se dos seus sonhos mais clichês pensando ter agido por coragem, quando na verdade deixou que seus medos o dominassem. Neste momento, não diga que está sozinho por ter sido nobre quando decidiu não magoar, e quem sabe até mesmo não destruir, pessoas especiais que encontrou pelo caminho.

E matou lindos amores antes de terem nascido. Por um tempo a mais para viver livremente. Por um tempo extra pra se autodescobrir, criar coragem, ter certeza. Esperando a hora exata. Só não sabia que quanto mais se descobrisse, mais se daria conta de seus vazios, mais medo teria e mais incertezas te assombrariam a cada decisão. Só não entendia que amar – de verdade – não implica em parar todo esse processo. Onde aprendeu que amor é sinônimo de estar algemado, trancado, impedido de mudança e crescimento?

E quem disse que tem obrigação de só fazer escolhas certas? De que não pode simplesmente encarar uma decisão errada e mudar de direção conscientemente? Agora, encontrar um caminho cheio daquilo que gostaria e abandoná-lo não é prudência – é covardia.

Não me entenda mal. Respeito seu momento e suas angústias. Elas não são sem sentido. Existe sim nobreza em assumir suas fraquezas e não querer que elas destruam a quem você viu um brilho. Deve sentir-se orgulhoso em não estar mais naquele ponto em que se arrisca e, se não der certo, dane-se o outro. Mas quem é você para saber o que a cada um é fatal? Deixe disso. Tem medo é de perder-se novamente e de não saber quem você é no meio de dois. Tem medo de não conseguir enxergar onde estará a vírgula, as reticências e o ponto final.

Preciso te contar uma coisa. Sabe aquele seu relacionamento fodido? Que te deixou com tanto receio de amar novamente? Doeu demais, não é? Como é triste ver transformar-se em estranheza algo que fora um dia tão lindo. Quanto sofrimento. Quanto dano foi causado em vocês. Você não quer isso novamente. É prudente, entendo. Você sofre por algo que quebrou. Não tinha mais jeito. O apego te deixou naquela situação até que os sentimentos apodrecessem. Não se sinta culpado, talvez não haja um só ser que não tenha passado por um desses.

Acontece que o problema nunca foi amar e ser amado. O problema nunca foi estar em um relacionamento. E agora acredita que este é o perigo. O perigo é a falta de sinceridade e respeito. É continuar pisando em terra onde o amor já morreu faz tempo. E ao tentar evitar sofrimento igual fugindo de planícies férteis, talvez encontre um novo tipo de dor mais a frente: a dúvida do que poderia ter sido, mas não foi por receio do mesmo (ou do pior). E tenho dito, medo é algo que cresce rapidamente mesmo em ambientes inóspitos. Imagine nesse seu coração?

Se me ouviu até aqui, deixe-me prolongar mais um pouco... Não existe tempo certo além do agora. Cuidado com as decisões que toma e que são baseadas em pensamentos sobre o futuro, pois quem fala por ele é o medo ou a ansiedade, os quais não são lá muito conhecidos pela criação de roteiros bonitos. O amor só fala no presente, em breves momentos. Na vontade de ter mais um abraço daqueles que aquecem a alma. De sentir aquela sintonia em uma conversa que vai muito além de papos Leblon. Ok, talvez seja bom somente por um final de semana, um mês, um ano... Vai saber? Mas, por que privar-se desse presente da vida ao preferir o pretérito imperfeito? Meu bem, viver não pede que sejamos perfeitos. Às vezes vale a pena pagar pra ver.

Talvez pense que estou a tentar convencê-lo. Negativo. É que vi em você algo especial, um potencial para o profundo e fiz questão de deixar a reflexão. Pode não ser pra agora, mas que seja feita a cada vez que a vida te trouxer uma boa razão. Se minhas palavras pareceram praga, não é a intenção tão pouco. Nada do que falo é livre de erros. Aqui não existe verdade absoluta, somente o que sinto – o que vai muito além do que vejo. Além disso, não há problema algum em querer estar sozinho. Até mesmo em passar a vida em breves paixões. Só tenha certeza de que estará agindo pelos motivos certos e fique atento, pois o medo, apesar de pessimista, é esperto e se disfarça de nobre intenção.   

domingo, 4 de setembro de 2016

Luto pelo amor que acabou antes de começar



Algum lugar do mundo, 04 de setembro de 2016

Sinto sua falta e está doendo.

Sinto falta do que houve, do que poderia ter sido, sinto mais falta ainda do que não tivemos.

Sinto falta dos cafés que tomamos, das horas que passamos conversando, de como tudo fluía tão bem. Era fácil sorrir ao seu lado.

Sinto falta do seu carinho, do seu abraço e de como me esquecia de tudo quando estava nos seus braços. Sinto mais falta ainda daquele último que nunca me foi dado.

Sinto falta do seu cheiro e da sua segurança, quase arrogante, de quem tinha um medo profundo de ser ferido. Do seu sorriso no canto da boca enquanto falava ao seu ouvido.

Sinto falta de quando me ouvia tocar violão encantado. E a tudo gravava, como se o concerto fosse digno de reconhecimento. Como seria bonita a música que nunca te fiz e cantaria no nosso aniversário e, depois, quem sabe, no nosso casamento.

Sinto falta daquele dia quando me disse que já não saberia mais como viver sem mim. E, sua mão, seu olhar e seu coração transbordavam gratidão e amor. Quando me disse que de seu passado nada sobrara e só tinha olhos para o presente. Entretanto, nunca curou-se daquela dor.  

Sinto falta do café da manhã que me levou na cama com um bilhete carinhoso e uma flor. E da massagem que ganhei nas costas, despretensiosamente, naquele sábado qualquer. Com cheiro de chuva, bolo e sua pele. Não houve um só dia assim sequer.

Sinto falta das noites em que me ouvia chorando e, pacientemente, esperava que toda a tempestade passasse enquanto alisava meu cabelo dizendo que tudo tinha jeito. E, então, dormíamos abraçados e trocava o sufoco das lágrimas pelo seu peito. Restou-me apenas o travesseiro. 

Sinto falta dos nossos planos de viagem, nossa família, nossos filhos e cachorros. Poderia discorrer em infinitos parágrafos como era feliz e linda a história que nunca tivemos. Poderia falar dos desafios que nunca superamos juntos e dos sonhos que nunca vivemos. 

Aqui jaz um amor que acabou antes de começar. Aqui jaz a planta que morreu antes de nascer. Aqui enterro somente expectativas. Que descansem em paz. Mas que os sonhos sejam eternos, porém. Pois sonhos são sementes aguardando um terreno fértil que as queira bem. 

sábado, 6 de agosto de 2016

Nada nem ninguém vai tampar esse vazio - terá que mergulhar nessa escuridão


Algum lugar do mundo, 04 de agosto de 2016

Esse vazio que sente, nada nem ninguém poderá preencher. Nem cigarro, parente ou mesmo os mais belos presentes vão te completar. Nem novela, balada, bebida nem mesmo a vida que sonha em ter. Nem amigos, estilo, nem os títulos mais pomposos irão te bastar. Nem sexo, reconhecimento, o calor do momento ou carros bonitos o farão passar. Viagens pra Disney e fotos com milhares de curtidas não te acalmarão. Nem dinheiro, uns quilos a menos ou todas as comidas que pra dentro enfia.
  
Talvez, até seja distraído por alguns momentos, assim como funciona um remédio para dor. No momento em que o efeito vai embora, o sintoma se agrava, por ter forçado a parte machucada enquanto a ignorava. E por evitarmos nossas feridas, elas vão se acumulando, criando uma densidade tão grande dentro de nós, que de tanto e há tanto clamarem por atenção, acabam por tornarem-se buracos negros carregados de dor e incompreensão. 

E sugam a tudo e a todos e nem mesmo a luz resiste à tamanha gravidade. Tornam-se vórtices negros e acabam por sugarem a nós mesmos. E procuramos fora, desesperadamente, algo que possa nos preencher. Mas tudo é sugado novamente para esse depósito escuro para onde não queremos ir, onde jamais gostaríamos de mexer. E esse buraco, sentido como falta de algo ou solidão, nada mais é do que a falta de si mesmo

Porém, como é grande o medo de nos afogarmos nessa sujeira, de cairmos lá dentro com tudo. Tememos e, no fundo, sabemos que esse buraco é muito fundo. E se dele não sair? E se não houver nada melhor do que já tenho a ser encontrado? Se me perder ainda mais ao tentar me conhecer? 

Na verdade, o que tememos não é a perda de nós mesmos, mas das ilusões que nos mantem “vivos”. Das máscaras que nos agarramos para evitar a dor, para vivermos em um mundo que nem sempre é fácil e cheio de amor. Temos medo de perder essas escoras, essa gambiarra emocional e mental que fazemos todos os dias para suportar o fato de não sermos íntegros o suficiente para viver nossas verdades. Verdades que muitas vezes desconhecemos.

Ironicamente, ser verdadeiro é o único caminho para felicidade. E para isso, terá realmente que queimar todas as máscaras que já vestiu. Deverá derrubar todos os muros construídos com tijolos de medo. Precisará cortar essa fita crepe e os barbantes que usa para enquadrar-se nas expectativas dos outros. E terá que curar cada ferida que criou ao negar-se. Ao diminuir-se. Esconder-se. Não tem jeito. Terá que enfrentar seus monstros.

Felizmente, a cada ferida curada, seu salto, inicialmente, em plena escuridão, tornar-se-á cada vez mais claro. Iluminado pela luz mais forte que já encontrou, tão forte, que o sustentará fazendo com que sua queda vire voo. E quando todo o entulho for removido, terá um novo terreno onde poderá fincar bases fortes. Nada de galpões remendados. Agora, poderá construir castelos com belos pátios floridos. Quartos acolhedores e salas aconchegantes com quadros coloridos.

Nessa nova morada, só entrarão aqueles que realmente dela gostarem. Irão de livre e espontânea vontade. Devo alertá-lo, serão poucos perto dos que frequentavam seus velhos galpões. Porém, agora, sua casa não mais precisará estar tão cheia de coisas e pessoas. Estará cheia de sua própria luz e nela sentirá prazer em viver. A falta que antes sentia agora virou alegria - de SER.     

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Nós não estamos na mesma página, mas que problema isso tem?



Algum lugar do mundo, 14 de julho de 2016


Não, nós não estamos na mesma página. Mas, sabe, não tem problema, está tudo bem.

Talvez nunca estejamos. Talvez nunca aconteça conosco e nem com ninguém.

Quem sabe seja o tamanho dos nossos livros. As dimensões das folhas, essa sua margem estreita. Ou mesmo o meu jeito de sempre deixar uma página em branco no meio de cada nova história.

Talvez seja o rodapé que tanto usei para fazer anotações quando voltei para velhas páginas ao invés de escrever em folha branca ou aquelas que rabisquei quando a história não saiu como gostaria. Sem contar nos rascunhos perfeitos que perdi tempo fazendo enquanto a vida acontecia.

E essa minha pressa de quem começou a escrever cedo. De fato, quase tive que comprar um livro novo. E se não bastasse, em dias rebeldes escrevi, além de histórias, poemas e canções borradas de riso, batom e choro.

É, nós não estamos na mesma página mesmo. Mas por que estaríamos se nossos livros são diferentes? Se nem ao menos gosto dessa sua letra grande e sem padrão?

E nossas histórias, nossos contos, tão desiguais uns dos outros. Aqueles longos desabafos... Enquanto gostava de escrever todos meus momentos, você preferia dormir com seu livro ao lado, no chão.

Enquanto me expressava em versos e estrofes, você era narrador onisciente, nem sempre tão ciente, de que sua história tinha chegado ao fim.

E por que ter um só livro pra nós dois? Isso atrapalharia a criação. Podemos escrever juntos em páginas diferentes, alternando estilos, cores, entrelaçando nossas mãos.

Quem sabe até um dia, te deixo escrever no meu livro uma dedicatória. Pode até ser simplória, mas precisa ter um desenho no fim.

E te deixo enfeitar alguma página, com as pétalas que secaram das rosas que me deu, da folha daquele cata-vento do nosso primeiro encontro, com uma gota do vinho que comigo bebeu.

Nós não estamos na mesma página, nem no mesmo livro, nem no mesmo momento. Sentimos a vida de maneiras diferentes.

Mas, contanto que respeite meus rabiscos e seu estilo não machuque meus sentimentos, te convido a compartilhar comigo seus momentos. Dos mais felizes aos mais delicados. Tomando um café, vinho ou chocolate quente ao meu lado.

E se um dia cansar dessa história, que deixe um adeus de pelo menos um parágrafo e um ponto final marcado. E após largar a caneta que me dê um abraço, pelos momentos que valeram bons trechos no seu livro borrado.


terça-feira, 12 de julho de 2016

O dom e o fardo de sentir profundamente em um mundo de beleza e dor


Algum lugar do mundo, 12 de julho de 2016


Tem horas que só queria que os sentimentos passassem por dentro de mim e fossem embora. Não queria ser morada de tantos andares. Queria ser pátio com rede provisória. Poderiam até chegar, tirar um cochilo ou outro, mas sem se instalarem e cobrarem serviço de quarto. Estadia sem café da manhã incluso. Check-out no horário.

Existe tanta coisa aqui dentro entupida. Como se minhas mãos fossem um funil, por onde tentam sair diversos sentimentos aspirantes a palavras. E como posso cobrar que alguém entenda toda essa confusão se eu mesma me perco e me deixo levar? Se, frequentemente, confundo a realidade com essas vozes a murmurar.

Queria eu, nestes momentos mais perdidos, ser menos dotada de sentir, abdicar de tanta capacidade à reflexão. Tem horas que se levar tão a sério parece uma grande bobagem. E realmente é, na minha opinião.

Mais difícil ainda, sendo alguém intenso (chamaremos assim para aliviar a conversa), é não interpretar como descaso o sossego alheio. Confesso que soa assim. Principalmente aquele que vem como gota d’água desnecessária, em discretas brincadeiras, comentários sem maldade e sem peso, mas que fazem a cabeça transbordar por já encontrar-se saturada de sentimentos e pensamentos sem freio.

E, transbordando, estes (quase seres) resolvem não esperar por sua triagem no funil. Querem simplesmente sair, pois tem medo de apodrecerem antes de serem digeridos. Aumentam de tamanho, desproporcionalmente e, se não forem sossegados, causam confusão sem fim. Fazem greve, organizam motim. É necessário tirar hora-extra para acalmar a rebelião.

Há quem diga que sentir profundamente seja um dom neste mundo em que vivemos. Necessitando, porém, ser administrado com maestria ou acaba por tornar-se maldição.

Por vezes, só gostaria de conseguir viver com mais leveza sem perder a paixão. Encarar com mais clareza o que é real ou não. Só queria não esperar do outro, o que espero de mim. O que me cobro, no que me afogo, no que me enterro, no que me sufoco, no que me agarro e me impulsiono e chego até mesmo a voar, raras vezes sem rumo, porém. Mas voo alto, a ponto de ver o horizonte com muita clareza, mesmo na falta de necessária destreza.

E quando caio (pois jamais desceria de tão bela visão por gosto) a terra não é suficiente para mim. Vou para as águas, sinto as ondas quebrarem na minha pele, onde me debato, até desistir. E canso de lutar e afundo, no profundo, no escuro, onde só me resta o silêncio e a falta de ar.

Hei de ter paciência comigo mesma e com o outro. A mim, quando sinto que interiorizar demais é sina enquanto, verdadeiramente, não há benção maior que poder conhecer-se aos poucos. Ao outro, quando trata com descaso e medo tanta reflexão, mas que por vezes encontra nela empatia, conselho e explicação. 

Nada que a idade não traga, a paz na alma e a calma de ser somente observador, de aceitar que sentir intensamente é um dom e um fardo em um mundo tão bivalente, pleno de beleza e dor.


terça-feira, 24 de maio de 2016

Só fere quem está ferido. Só é atingido quem precisa curar-se.


Algum lugar do mundo, 24 de maio de 2016

Só fere o outro, seja com palavras, atitudes ou indiferença, quem tem na alma um machucado. Fere numa atitude desesperada de livrar-se da dor ou de compartilhá-la, pois até mesmo doentes buscamos companhia em nossa profunda carência.

Só fere quem ainda não percebeu que qualquer ataque é fruto de vazio interno, de dor calada, muitas vezes escondida embaixo de um castelo de convicções e certezas, castelo de areia, imponente até o primeiro toque suave.

Só agride quem ainda não descobriu sua verdade e clama por ajuda em forma de atenção, mesmo que negativa, por não saber outra forma de fazê-lo. Por não entender que o que sente não é raiva, mas dor. Sentida aparentemente sem motivo, sem por que.

Só machuca quem não se ama o suficiente. Pois, amando-se, saberia a importância de amar o outro, saberia que tudo que vai, volta imediatamente e inunda nosso ser. Seja amor, seja dor. Na mesma intensidade enviada. Como diz a lei.

Só critica e humilha quem não aceita a si mesmo. Incomoda-se com o semelhante por lembrar-se de suas próprias correntes e com o diferente, de suas próprias fraquezas.

Entretanto, perceba, só é ferido quem precisa curar-se. Quem ainda não integrou todo seu ser e deixou lacunas, fáceis de serem atingidas com a dor do outro.

Só é machucado quem não encontrou a paz de ser somente o que se é, de aceitar-se sem culpa e sem desculpas. E, por isso, é cortado pela espada do julgamento alheio enquanto sufoca-se em necessidade de aceitação.

Só é humilhado quem não entende que qualquer ataque recebido não precisa ser acolhido, pois da porta do nosso ser, só nós temos a chave e somos o único porteiro.

Quando acolho a dor do outro, acolho a minha própria. Lembro-me do vazio que precisa ser preenchido com luz. Seguro a dor do outro em mim e deixo ela fluir para onde mais dói, como um sinalizador. É lá onde ainda preciso de cura.

Naquela lacuna esquecida, sufocada, na parede do porão do meu ser, ainda escasso de amor. Na trinca que passou despercebida ou que era, aparentemente, inofensiva, mas que permitiu que a dor do outro infiltrasse em mim. Justo naquele dia de chuva, quando eu mais precisava de proteção.

Como a vida é sábia. Ferido ou agressor, ambos carregam a oportunidade de sair desse círculo de dor. Quebrar correntes de ódio e formar laços de amor. Primeiro, reconhecendo suas trincas internas, depois, parando de refletir a própria dor no outro.

Finalmente, o comportamento reativo dá lugar à compaixão por quem ainda sofre e ataca sem saber. Não aquela de quem é superior, mas de quem já muito fez (e faz) o mesmo sem querer. E daquela fenda infiltrada, outrora, de dor, transborda perdão. Dessa vez, de dentro para fora, por si e pelo outro. Perdão esse que preenche todas as trincas e buracos com o único material permeável somente ao que faz bem:

- Amor. 

sábado, 14 de maio de 2016

A coragem de estar à deriva

Algum lugar do mundo, 14 de maio de 2016

Sentir-se à deriva na vida exige coragem, fé e desapego ao medo. Não espere não sentir medo para soltar as cordinhas que te prendem ao cais. Aceite que o medo está ali como um mecanismo de defesa muito antigo e enraizado. Entenda de onde vem seu medo. Respire e sinta-o agindo sobre você. 

Normalmente, o medo vem da mente, que não é capaz de suportar o vazio da insegurança. A mente não suporta nem mesmo a falta de um plano B, quem dirá de um plano A. Mas, o que ela não sabe é que toda e qualquer segurança é pura ilusão. E não adianta tentar convencê-la do contrário.

A verdade é que, por mais seguro você pense estar, por mais bem amarradas sejam suas cordas, quando se faz necessária a hora da mudança, com um simples sopro a vida te empurra e te muda completamente de direção. Não há corda e talvez não haja nem mesmo barco que possa impedi-la.

Seria a vida, então, cruel? Talvez, no primeiro susto, seja esta a sensação. Mas, cruel seria se ela nos poupasse de todo aprendizado inerente à mudança. A vida não nos surpreende para que soframos. Ela espera que possamos aprender algo com isso para sermos mais fortes, para liberarmos o que não nos serve mais, coisa que, às vezes, é tão difícil de ser percebida. Por mais seguro que o cais seja, nem sempre ele é abrigo da sua felicidade. A hora de partir chega quando a dor do vazio torna-se maior do que o medo do novo. 

E como saber se um desejo de mergulhar no desconhecido é puro impulso, fuga da realidade ou uma necessidade real da alma? Primeiro, é preciso garantir que, caso você decida ficar à deriva, poderá assumir e arcar com os riscos dessa mudança. Isto se chama maturidade. Claro que, se você tem o apoio voluntário daqueles que o ama, ótimo. Mas nunca solte suas cordinhas esperando ser salvo caso afogue-se. Se você estiver preparado conscientemente para lidar com qualquer consequência da sua escolha (o que não significa ausência de medo) e sentir que esse risco ainda vale mais a pena do que o vazio das suas cordinhas seguras, provavelmente trata-se de uma necessidade real.

E, finalmente, quando você se solta e vai, a dor que surge pela falta do concreto transforma-se, aos poucos, em liberdade e autodescoberta. Haverá momentos de escuridão, em que nem mesmo a lua se fará presente. Estes momentos poderão ser sombrios ou perfeitos para repousar a alma e se preparar para o dia que vem. Haverá tempestades e lindos pores-do-sol. E, então, você perceberá que tudo isso já existia antes, lá naquele cais, onde você tinha a ilusão de estar protegido. A diferença é que agora você não sabe onde e quando irá atracar seu barco outra vez. Talvez você nem queira mais deixar o mar. Enquanto isso, aproveite a viagem. Quem sabe nos cruzamos por ai. 

domingo, 8 de maio de 2016

Você já tocou sua alma com carinho hoje?


Algum lugar do mundo, 08 de maio de 2016

“Se a gente cresce com os golpes duros da vida, 
também podemos crescer com os toques suaves na alma.” 
Cora Coralina

Nestes tempos acelerados, em que ansiedade virou epidemia e falta de tempo motivo de orgulho, quando foi a última vez que você tocou sua alma com carinho?

Fazer o melhor, ser o melhor, superar, produzir. E, de repente, nos esquecemos do que realmente importa, da essência e do que nos dá energia e alegria para prosseguir.

Tocar a própria alma é algo muito particular que envolve coisas singelas. A alma não faz questão de estardalhaços e somente atitudes delicadas, daquelas quase imperceptíveis a olho-nu, é que podem tocá-la.

Um chocolate quente, um cochilo breve mas revigorante, o cheiro de uma flor, café com biscoitinhos. O abraço de um amigo, um banho reconfortante, ligar para a família (aquela do seu coração). O calor do sol no inverno ou a sombra de uma árvore no verão. Sentir a brisa, o cheiro de chuva, ouvir ou tocar aquela música que te faz lembrar quem você é. Um livro, uma poesia, um filme. Tocar a grama, espreguiçar, colocar uma música no seu quarto e dançar até cansar. Cantar, meditar, respirar. Seu moletom velho e confortável. Cheiro de alho refogado. Aquele bolo que saiu do forno. Uma lambida do seu cachorro. Dar-se um abraço e dizer “Ei, você fez seu melhor! Estou orgulhoso de você.”.

Normalmente, o que toca nossa alma está muito ligado às nossas memórias de infância, quando ainda estávamos mais conectados com nossa essência. Infelizmente, nós crescemos e esquecemos o quão importante é manter esse contato. Sem ele, morremos aos poucos. A vida torna-se mecânica e sem sentido. A tristeza aparece.

O bom dessa coisa de tocar almas é que elas, por mais diferentes que sejam, podem comunicar-se umas com as outras. Mesmo que você esqueça de tocar a sua própria, cada vez que chega na de alguém, é instantaneamente tocado. 

Mas, como foi dito, almas são feitas de material puro, tocadas apenas com delicadeza. Naquele sorriso sincero, naquele gesto de preocupação, naquela surpresa pequena, porém doce e cercada de carinho. Tudo que é genuíno chega até as almas. Toca fundo e ressoa para as outras, em diferentes cores e melodias suaves. Após tocar todas as almas existentes, dissipa-se pelo universo e fica na memória.

domingo, 1 de maio de 2016

Sejamos fora da caixinha


Faz parte da vida, a definição da nossa personalidade e, mesmo antes de nascermos, começamos a receber rótulos. No começo, apenas os aceitamos e queremos honrá-los. Posteriormente, passamos a criá-los e defendê-los.

Sinto que gostamos de rótulos, pois eles nos fazem sentir únicos. Como se fosse essencial personalizar uma caixinha de rótulos que te defina e que faça as pessoas lembrarem-se de você. Que faça com que você mesmo possa se descrever. E nos apegamos a essa caixinha. Alguns se apegam tanto, que nunca mais querem mudá-la. Talvez esses sejam os ditos “personalidade forte”. Já outros, estão sempre buscando um conjunto de rótulos mais bonitos pra colocar lá. E há de quem ouse questionar minha preciosa caixinha, principalmente pra sugerir que um rótulo feio deveria estar ali ou que um daqueles que mais aprecio não poderia ali ficar.

O problema é que, se você se confunde com a sua caixinha, pode acabar entrando num vazio imenso sem entender o porquê, já que possui tantos rótulos bonitos pra mostrar. Já que sua caixinha é colorida, tem glitter e toca música quando aberta. Já que tantos gostam dela.

Acontece que você não é sua caixinha e talvez tenha perdido tanto tempo com ela que se esqueceu de se encontrar. Talvez você não tenha percebido que mudou e que, há tempos, já é completamente diferente do que está lá. Talvez você tenha ignorado o que pensa e o que sente por julgar que não combinaria com a sua caixinha e por medo de como julgariam seu novo conteúdo. Por medo de afastar quem você ama.

E que graça tem todo essa trabalho de ornamentação para agradar os olhos alheios se ele não condisser com a realidade? Pior ainda, se nem ao menos soubermos quem somos? E quem não consegue expressar o que é sente raiva, mesmo que inconscientemente, de quem tem coragem de colocar na caixinha só o que vem de dentro e julga com estranheza o que é original. Tentando fabricar caixinhas socialmente aceitáveis, criamos um dominó de julgamento e desrespeito pela caixinha dos outros.

Por outro lado, pessoas que tem rótulos condizentes com sua essência não precisam esbravejar por ai “Ei, olhe meu rótulo, esse é real, eu sou mesmo assim!” Não. Normalmente, elas não se importam se os outros os aprovam ou não. Exigem apenas o respeito que todos merecem. Afinal, só estão sendo o que são. Nada podem fazer em relação a isso. Feio ou bonito, trata-se apenas da realidade. E elas se sentem livres pra mudar, pra melhorar, pois já não se importam com o desconforto que isso traz aos outros desde que estejam em paz consigo mesmas. Elas não se importam se não há palavras no nosso dicionário para descrever seu real estado de ser. Palavras são muito limitadas perto da realidade.

Estamos sempre buscando rotular uns aos outros e esquecemos que a vida é pura mudança. Damo-nos o direito de mudar somente um pouco por vez e em situações especiais. Por que nos limitamos? Por que temos medo de nos perder? De perder nossos rótulos, de esquecer a caixinha? Por que não deixamos o outro mudar e a nós também? Por que me sinto ameaçado quando percebo que meu companheiro/amigo/parente está mudando? Somos livres, pois! 

E, no fim, somente quando nos libertarmos dessa necessidade de entender e controlar caixinhas é que poderemos nos relacionar de forma genuína uns com os outros. Caixinhas com rótulos reais. Nunca perfeitos, mas que apenas são e deixam ser em paz



Imagem: http://www.asomadetodosafetos.com/2016/03/abrindo-o-bau-da-vovo-a-coragem-de-olhar-dentro-de-si-mesmo.html


domingo, 24 de abril de 2016

Paciência com os apaixonados, eles não sabem o que fazem


Algum lugar do mundo, 23 de abril de 2016


Paixão deveria ser classificada como doença de tão forte que é. Doença com dois subtipos: correspondida e não correspondida. Causa: desconhecida. Pode acometer pessoas solteiras e comprometidas, não importa idade, sexo ou classe social. Vem sem avisar e nunca se sabe seu gatilho.

Os doentes de paixão, ou apaixonados, tem como primeiro sintoma a perda de si mesmos nos mais profundos devaneios. Esquecem-se da vida e não conseguem distinguir o real do irreal. Não controlam os próprios impulsos. Sofrem de insônia, alteração de apetite, taquicardia e tremedeira. Sentem borboletas no estômago, nó na garganta e, nos casos mais graves, até na cabeça. A ansiedade chega a assustar.

E não venha me dizer que isso é coisa de gente sentimental. Queria eu que fosse, mas essa doença atinge até os mais lógicos e esses, coitados, sofrem ainda mais ao perceberem que perderam o controle do próprio cérebro. Algo mais forte tomou as rédeas. Não importa o grau de maestria anterior que o sujeito tinha no equilíbrio emoção versus razão, apaixonados de verdade, todos perdem a noção.

E essa tal paixão tem sempre um alvo. Uma pessoa qualquer. Às vezes, uma pessoa tão qualquer que não entendemos o motivo de tanto deslumbre. E nem precisa ser aquela pessoa ideal. Não! Isso porque a paixão tem um sério sintoma: a negação. Negação dos defeitos do outro, negação da realidade, negação da situação. Você chega a negar que está apaixonado. E você se nega a assumir que só ouve a mesma música mil vezes para despertar na sua mente a lembrança do gatilho. E quando a música não faz mais efeito, é necessário achar outra. É necessário manter o outro na lembrança e reviver coisas que aconteceram (ou que você mesmo criou), só pra sentir todos os sintomas novamente.

Sim, a paixão talvez seja uma das poucas doenças que te viciam. Ao mesmo tempo em que você quer estar curado, você quer sentir tudo aquilo de novo. Afinal, mesmo sofrendo (no caso da não correspondida), a vida parece ter mais graça, mais cor, mais intensidade. Normalmente, a vida é tão parada. A paixão sacode tudo e ela te convence que é mais legal viver assim. O problema é que a paixão não tem sentido. Só pode ser algo químico. Uma química daquelas bem carnais.

Tenho a impressão de que os maiores artistas eram aqueles que mais se apaixonavam. A paixão desperta a criatividade, deixa tudo a flor da pele, pois existe certa urgência em espalhar amor e ardor por ai. Nesse sentido, a não correspondida chega até a ser útil: já que a atenção não pode ir para o bendito gatilho, que vá para o universo. Mas é preciso ir para algum lugar. Paixão não consegue ficar guardada, ela explode. Paixão precisa virar música, poesia, texto, pintura, suor, abraço, riso e choro (muito choro). Paixão transborda, faz passar vergonha, faz querer viver e morrer ao mesmo tempo. Viver de paixão e morrer apaixonado, dois extremos, uma montanha-russa de emoção.

Depois de tanta paixão, fica aquela pergunta: “Mas e a cura?”. Olha... Se eu soubesse! Infelizmente (ou não), não há. Há quem diga que uma boa dose de amor-próprio ajude a amenizar a tendência a atitudes vergonhosas. Que um bom par de ouvidos amigo alivie toda urgência em se expor (recomendam-se até mesmo vários deles, pois não há quem aguente tanto nonsense). É preciso deixar fluir de alguma forma, de preferência com algo construtivo. É preciso aceitar a dor e reconhecer-se como alguém realmente em tratamento. Não há fuga. É dentro. É fundo. É preciso ser sincero consigo mesmo. É necessário ter compaixão própria, abraçar-se e dizer “Sei que você andou descontrolado, mas tudo bem! Quem nunca?”. No fim, só mesmo o tempo. O tempo tudo cura. Parece clichê, mas só um clichê para combater outro que existe desde que o mundo é mundo.


Imagem: http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/04/17/viva-o-presente-uma-reflexao-sobre-estar-aqui-agora-hoje/ 

domingo, 17 de abril de 2016

Prazer, seja feliz


Algum lugar do mundo, 17 de abril de 2016

Olá, prazer.

Não te conheço, mas saiba que quero seu bem.

Quero que seja imensamente feliz e amado.

Sou assim. Faço questão de ver bem quem está ao meu lado.
   
Faça-me somente um favor, só fique se quiser o mesmo pra mim. Não me importa que vá embora, que me deixe, que procure gente mais interessante, mas não perca a hora.

Não quero ninguém que me diminua. Não vou deixar que o faça. Sou grande demais. Talvez por fora não pareça, mas é que o que lhe mostro é só a capa.   

Então, desista. Procure quem te conquista, a quem você não resista, mas vá. 

Já basta quando me diminuo por mim mesmo, quando meus olhos só enxergam defeitos. Escute, posso listá-los pra você. Não perca seu tempo descobrindo um a um. Medindo se ainda assim gostaria de investir em mim.

Não sou mercadoria, então não negocie minhas imperfeições. Não procure as que eu ainda não vejo. Não me traga mais do mesmo.

Não preciso de você para ser feliz, nem você de mim. Então, suma. Deixe-me em paz. Pra mim, realmente, tanto faz, só não finja que sim.

Não me faça querer mudar a mim mesmo. Sou ser imperfeito, mas não sou o pior. Se for pra me ajudar, que seja com carinho e não com críticas de quem procura alguém melhor.

Sei que ainda tenho muito a melhorar, quem não tem? Mas, sabe, se você não gosta agora, não vá além. Você não sabe o que passei, não sabe o que já veio ou o que ainda vem. 

Talvez seja somente um teste, pra ver se eu aprendi certinho, que não vale a pena estar perto de alguém com quem não consigo ser o mesmo quando estou sozinho.

Normal? Não sou, foi mal.

Então vá, por favor. Não estou te segurando. Estou sendo sincero. Você haverá de ser mais feliz, assim eu espero.  

O prazer foi todo seu. 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Andar branco


Em algum lugar do mundo, 08 de abril de 2014

Às vezes, sinto-me triste (quem não?). Sem nenhuma explicação. Sem nenhuma previsão. Só sinto vontade de voltar pra casa e me encolher na cama, embaixo de um cobertor, até passar. Esse sentimento muitas vezes vem como impotência, principalmente perante as injustiças, maluquices e fatalidades da vida. Por que será?

Vejo-me preocupada e estressada com várias coisas que não são realmente necessárias. Piro, julgo e, em algum momento, tudo isso acumula e preciso respirar. Essa tristeza é como uma limpeza a um acúmulo, como lixo guardado e, enquanto esse lixo é limpo, sinto-me triste. Algo como um esgotamento de tudo, de todos e de mim mesma. E já que não posso largar tudo e ir para casa, isolo-me em mim.

Mas, essa tristeza (que não sei se é tristeza ou se me falta uma palavra melhor para descrever) é sempre acompanhada por algo lá no fundo, algo que fica bem apagado, mas que ainda existe, mesmo nestes momentos. Algo que diz que tudo está certo e que vai passar. Algo como paz, como colo de mãe quando somos crianças. Algo que não sei o que é, mas que deixa minha tristeza cercada de paz.  E em várias segundos, enquanto estou triste ainda estou feliz. Como se fossem andares diferentes dentro de mim mesma, um em luto e outro em festa. E, de repente, não faço questão de escolher em qual andar desejo estar. Eu canso e só observo de um terceiro andar vazio e branco, acometida ora pelo barulho da festa ora pela tristeza do luto. E choro, e rio, e esqueço até que durmo e outro dia começa com outros andares, milhares de andares ao mesmo tempo.

Não sei se é certo ou errado estar neste andar branco e vazio. Nele, nada sobra e nada falta. A temperatura é confortável. Não existe cheiro, não existe estímulo. Desde criança tenho necessidade de voltar pra lá, mas estranhamente não sabia onde e como era. Somente hoje consegui descrevê-lo em palavras. Cada vez mais, sinto necessidade de voltar para este lugar. E não é porque não gosto dos outros andares. Eu gosto! Mas é informação demais. É sentido demais. Cheiro, gosto, barulho, sentimento, pensamento, tudo demais. Por isso me canso rápido e preciso constantemente voltar para o andar branco e me reequilibrar. E no momento em que vou, as pessoas me sentem distante. 

Hoje em dia, não posso mais estar lá quando quero. Às vezes preciso esperar, pois devo estar concentrada nessa bagunça, no trabalho, na faculdade, nas conversas. Quando era criança, isso me irritava. Hoje, consigo ter mais paciência. Meu andar está sempre lá me esperando.